Diário

30/04/08
Em Braga, depois do Sermão da Sexagésima do padre António Vieira para os padres da Diocese e em conversa ao almoço, surge-me a ideia de decorar os Lusíadas. Parece-me grandiosa e perfeitamente possível.
Fica a ferver. A ideia do 10 de Junho, de dizer no metro….

08/05/08
Em Aveiro depois de mais uma sessão memorável do Padre António Vieira anuncio aos presentes em jeito de brincadeira e no seguimento da conversa sobre a literatura e a escola o projecto dos Lusíadas . Garantiram que ficam à espera e digo que têm que esperar pelo menos dois anos.

No meio dos ensaios do Platonov, o Camões não me sai da cabeça, o Jau, um cão de cego, Camões cego dos dois olhos.
Digo ao Rui Antunes da Esec que prefiro decorar os Lusíadas a dar aulas nas condições que me propõem no curso de teatro da Esec. A mesma conversa com a Cristina Bizarro no seguimento da crise no Curso.


01/06/08
Pego no Canto 1. 106 estrofes. Calculo que em menos de 5 horas não dá para dizer os 10 cantos.
Não sei sequer a primeira estrofe de cor. Várias hipóteses: Uma maratona. Um canto por dia em dez dias. Na cama consigo adormecer depois de decorar com cuspo 2 estrofes.


03/06/08
Continua a ferver. Começo a perceber a estrutura : introdução, invocação, dedicatória ao rei ( que deve ser das coisas mais chatas de decorar e de dizer)
Percebo que tenho de decorar por capítulos, temas, fôlegos narrativos ou de reflexão.
Começo a tentar ligar os pensamentos e não a prosódia rítmica. A esse nível é um texto da mesma família do Vieira: rocóco. Aparentemente mais fácil de decorar. Com cuspo já vai até à entrada do D. Sebastião. Tenho que arranjar maneira de gravar num ipod para ouvir, ouvir, ouvir.
Muitas interrogações teóricas: prosódia, acentos, estilo…para já não interessa nada.  Tenho que estudar estas questões estilísticas Mas a necessidade de autoria vem ao de cima. O mesmo problema do Vieira: Tenho que estar a inventar no momento em que digo… mas que qualidade pode acrescentar a isto o artifício? O aedo, a estória mítica, a prosódia? Que relação com os ouvintes? Onde pode prender?


04/06/08
Tenho descurado um pouco o diário mas nos últimos dias acho que avancei muito. Comecei a passar o texto no computador, em prosa para fazer um melhor estudo narrativo porque tenho cada vez mais a ideia de uma longa história musical a ser contada. Pensei em vozes e personagens tratados muito levemente ao estilo do contador. Já li o canto 2 duas vezes e as 20 primeiras estrofes, até ao fim da dedicatória, já vai correndo e, não saindo da cabeça, dou por mim a contar as sílabas para me lembrar do texto. Penso que é um bom augúrio para o que está para vir. O ipod vai aparecer e vou gravar em estúdio os dois primeiros cantos com ipod e cd para o rádio. Quando fico muito tempo à noite a trabalhar, durmo mal e sonho com isto. Se até ao Natal tiver os dois primeiros cantos mais ou menos arrumados continuo se não… duvido. Acredito que isso seja possível. Resolvi consultar um neurologista para trocar impressões sobre a memória e as consequências cerebrais do esforço. Um nutricionista também. Não quero encharcar-me em químicos, nem pensar. Vou fazer pouco esforço para decorar e ler, ler, ler, a ver o correr do pensamento e da estória. Sinto que, em foco, preciso de 4,5 horas .por dia para isto. Por enquanto nem pensar. Depois de estrear talvez. Preciso e ter alguém com quem possa trocar impressões sobre interpretação gramatical, oral de algumas passagens. Mais para a frente. Já como no Vieira à medida que vou dominando o texto tudo faz um novo sentido. Como no estudo de uma peça. Ou um poema. O corpo e a imaginação ou a respiração apropriam-se daquilo.
Sustentei numa conversa curta com a Nadais que tudo isto é para nada. À medida que avanço isto parece uma história da carochinha heróica, de umas pessoas pequenas que se inventam naquilo que inventam. É estranho. Isto cheira a um mundo tão antigo e por outro lado tão sem tempo.

11/07/08
Continua. Platonov está quase a estrear e nestes últimos dias tive que me concentrar mais em algumas cenas e pormenores que ainda não estavam resolvidos.11 horas fechado no teatro também não ajuda muito. Desbravado até à estrofe 56. Sabido até ao fim do discurso de Júpiter.
O elenco ficou a saber da maluqueira. Vou consultar um psicólogo cognitivo por sugestão da Sandra Salomé. A partir de 20 vou fazer a gravação dos 2 primeiros cantos para começar com novas estratégias de domínio do texto.

24/07/08
O Platonov em velocidade de cruzeiro. Na escola tudo fechado até Setembro, espero. Altura de voltar com mais genica. Estes últimos dias foram um pouco moles. Nova estratégia: Em vez de tentar furar a pedra com picareta que cansa muito a cabeça, vou tentar “água mole em pedra dura”. Ir desbastando sem grande preocupação…ler…ler, tentar dizer e passar à frente. Neste momento já dá para trabalhar metade do primeiro. Desisto da gravação em estúdio porque começo a dar-me conta que vou ter de fazer várias gravações que vão incluindo as descobertas que irei fazendo sobretudo ao nível da métrica, interpretação, elisões que vão ser muito mais trabalhosas do que imaginei. Vou rapidamente comprar o MP3 para começar a gravar.

01/09/08
Acabou o Platonov e fui para férias soletrando de cor as primeiras 70 estrofes. Nas férias não lhe peguei. Portanto até ao dia 18 de Agosto foi deixar tudo como estava. Levei os livros. Mas…nem gravações nem nada. A 18 fui para Montemor para a residência do Mona Lisa. Retomei tudo. 15 dias para soletrar o canto 1. Não é que consegui! Nas duas folgas muita dedicação, nos outros dias entre a 1 de manhã e o meio dia . Tinha que pôr o sono em dia… a 31 consigo soletrar o canto  1. Todo o elenco solidário e o David a dizer que é brutal. Porque é que estou a fazer isto? Porque é brutal… Se houver vídeo a Joana quer fazer. A Rosa vai tratar do Mp3 e, finalmente vou gravar o 1 e 2 para começar a trabalhar com a gravação. Tenho que implantar a estratégia da água mole em pedra dura…que a outra cansa muito a cabeça e durmo pessimamente sempre que passo 2 ou 3 horas antes de dormir a decorar violentamente. Vou ler mais e ouvir mais, e depois forçar a decoração. Penso que esse esforço ficará mais reduzido porque as últimas 30 estrofes do 1 em 15 dias foram muito insónias.
Vou avançar com este método no 2 e fixar o 1 procurando interpretar. Sinto necessidade de dizer em voz alta porque o ouvir perturba o que sei e penso que numa segunda fase pode ajudar.
Plano: desenvolver o que já está, ganhar fluidez e desbravar 50 estrofes por mês. O que quer dizer que posso chegar ao Natal com os dois primeiros fluidos e o terceiro desbravado uma vez que em Outubro, Nov. e Dezembro não vou ter muito trabalho, pelo menos ainda não tenho. Seria um avanço enorme. No entanto vejo muito mais trabalho do que imaginava. Três anos não seria muito e com a necessidade de durante meio ano antes de apresentar não fazer mais nada. Continua a assustar-me a capacidade física e de concentração, sendo certo que quanto melhor souber o texto menos esforço é preciso.

04/09/08
Continuo com a táctica: a trabalhar as primeiras 30 estrofes, lendo, sem forçar. Penso que pode dar resultado. No dia 15 espero saber dizê-las devagar mas…como o primeiro.
Estou a passar tudo no computador, sublinhando as rimas que, num segundo trabalho deve ser fundamental na música.
Entretanto de uma entrevista do ministro da cultura do Vaticano algo que não me interessa só para os Lusíadas mas que já me batia no Platónov e antes: “Quero que a grande arte e os grandes artistas, nomes fundamentais da arte contemporânea que não se interessam por temas religiosos, voltem outra vez a olhar para lá da fronteira. Será um beneficio para nós mas também para eles, porque perderam grandes temas, grandes símbolos, grandes narrativas. Não se preocupam senão com interpretar o real, tantas vezes esgotado ou pelo menos ligado sobretudo à  exterioridade, ou à ausência das grandes perguntas: a vida e a morte, a dor e o amor, o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a justiça, a outra vida…”

10/9/08
Ontem fiz as primeiras experiências técnicas com o MP3. Estão registadas. Tenho escrito o canto1 e 20 estrofes do 2 de maneira a poder fazer uma leitura que me sirva para gravar e depois repetir. Sinto que antes de começar a trabalhar a invenção do canto 1, ajudará muito a mecanizar, ouvir, ouvir, ouvir, para minimizar o desgaste da procura do texto para falar. Vou experimentar esta táctica. Entretanto parece que estou atrasado no que me propus no canto 2. Ainda não consigo dizer 20 estrofes e no dia 15 deveria dizer 30. É certo que só tive uma noite difícil que foi ontem . O resto foi tudo muito soft até porque não abdiquei completamente das férias… dá-me a impressão, apesar de tudo que a táctica de ir lendo é mais correcta. Depois um tempo duro para encaixar e…vai ficando. Mantenho: metade do 2 até fim de Setembro e consolidar o 1. 

3/02/09
Um grande interregno. Ou não. A meio de Setembro pus-me a tratar da casa e nunca mais tive disponibilidade mental para isto só para as obras, a estreia da Mona Lisa e mais nada. Passa o Natal e o Ano Novo e quando percebo, no dia 2 de Janeiro que é possível arriscar o canto 1 no Teatrão, como estava há algum tempo como possibilidade. Volto a atacar o canto 1. Todos os dias. Segurar o texto. Curiosamente passadas duas semanas já desliza quase todo. Ao fim de três semanas tenho a sensação que já domino como, quando nos ensaios de uma peça, começo a deixar o texto em casa. Uma surpresa! Daí até ter a sensação que posso começar a surfar no texto vai uma curta distância. Nos últimos dez dias a preocupação é muscular a concentração. Sinto pela primeira vez que esse vai ser o grande trabalho a ter na recta final com o canto 1 e todo o resto do trabalho quando o texto já estiver assimilado. Sinto uma enorme facilidade em decorar o texto de Shakespeare que estou a ensaiar. Começam a surgir pequenas subtilezas de interpretação que antes não tinha consciência, ligadas à gramática e fluxo de pensamento.
Começo desde há uma semana a dizer em voz alta. Vai de seguida em duas metades. Penso que com a vibração dos ouvintes aguentarei perfeitamente o canto todo.
Isto começa a tornar-se público. Muita gente já sabe e sairá talvez alguma coisa na imprensa e na rádio. Estranhamente sinto uma sensação de que irá tudo para a frente. Que no verão terei o 2 e no fim do ano o 3. Preciso de ir dizendo em público o 1. Vamos ver o que acontece na Quinta-feira. Começa a ser um prazer dizer, mesmo só para mim. A Rita há dias propor-se ouvir para eu treinar mas não sei… acho que me ia sentir um bocado inibido por estar a dar seca. Quando antes de dormir começo a passar o texto acontece-me adormecer. Muito diferente de antes quando ainda estava muito duro e o que acontecia era ficar tão desperto que depois não conseguia adormecer.
Volto a pôr a hipótese de falar com o neurobiólogo.

24/02/09
Tanta coisa! O desastre do dia 5  em Coimbra . O bar cheio. Começo sem texto e os nervos e sei lá o quê… aquilo não arranca. Agarro o texto pela estrofe 25/30. Começa a fluir e para o fim estou mesmo no ponto. Acho que não foi mal. Não é ainda o que quero mas senti, até pela reacção das pessoas que é audível. È uma história e a maior parte das pessoas tem um problema a resolver com o Camões. Mas tanta ansiedade…
A notícia do Público foi brutal. Bateu muito. È mesmo aquilo que a Nadais apanhou.
Reacções várias.
Retomo a 9 o canto 2. As primeiras estrofes até 33/ 34 já estavam desbastadas de Setembro. Vão rapidamente numa semana consigo dizê-las. Mais uma semana e já vai até à 56 devagar mas …sem stress. Hoje já avanço a desbravar até á 70. por este andar quando acabar a Tempestade, 26 de Abril, já ando às voltas com a canto 3. o que não seria mau conseguindo dizer os dois primeiros bem.
Amanhã vou falar com o Miguel Seabra. Várias hipóteses. Até ao Verão tenho de conseguir sítios par dizer o canto  1 e 2.
A Rosa parece conquistada para a ideia o que é muito bom.

26/02/09
Aprazada a hipótese de durante seis semanas em Outubro de 2010 dizer no Meridional durante seis semanas os primeiros cinco cantos. Tudo em aberto: formato, …. Não vale  a pena para já pensar nisso…
Já vai soletrando até à 70. É realmente um salto enorme relativamente ao primeiro. Com dois meses de trabalho estava sensivelmente no mesmo sítio onde estou neste momento com três semanas…não conto que já tinha desbravado as 30 primeiras estrofes

26/03/09
O segundo está pronto para a segunda fase. Começo com o terceiro e a surfar no primeiro. Não se pode dizer que tenha sido fantástico em Cascais mas… não foi mau.
Em Cantanhede na escola do prof. Negrão foi melhor…mas…

Novembro 2010

E aqui acaba o diário real. O que se segue são bocados de memória repescados

Em finais de Abril acabo a tempestade na Cornucópia. Nos intervalos adiantei o canto 3 que já vai soletrado até ao final do episódio De Egas Moniz. Os meus colegas são muito cúmplices desta aventura. Continuo com o canto 2 para dizer no fim de Maio em Coimbra.
Fim de Maio digo o segundo em Coimbra. Aprendi muito com a porcaria que fiz no primeiro.
Em Junho, 9 e 10 surge a possibilidade de dizer os dois na Centésima: No segundo dia foi fantástico. Descubro que consigo dizer sem grande esforço os dois primeiros. A reacção das pessoas é muito entusiasmante.

Estou a gravar a novela todo o Verão e a avançar com o terceiro.
No dia 5 de Agosto fui à praia e estou a decorar a batalha do Salado. A decorar?!...É como quem diz…. A fazer aquele primeiro trabalho complicado e desgastante de conseguir ir buscar à memória para a boca, devagar e hesitante.
Em meados de Setembro está feito….Agora é bater….bater….Bater que tenho de dizê-lo em Coimbra no fim de Outubro.

Melhor o terceiro que os outros dois em Coimbra! As pessoas do Teatrão são fantásticas. Obrigado daqui!

No dia 1 de Novembro estou na Urgência do S. Francisco Xavier. Espero 4 horas para ser atendido. Começo a trabalhar o canto 4.
No fim de Novembro digo o 3 na Centésima. Um desastre. Estava, cansado, enervado, desconcentrado….
Interrompo o 4 no fim da batalha de Aljubarrota, no dia 12 de Dezembro porque tenho que decorar o texto da História do Soldado para fazer com A Metropolitana e o João Pedro.
Em meados de Janeiro o Soldado está praticamente resolvido e vou intercalando o estudo do 4. Mete-se o Ivanov, o Soldado acaba em fim de Fevereiro, o Ivanov no fim de Março e nessa altura o 4 já flui.
Em Abril começo com o 5. Com muito tempo livre. Começo a ter dores de cabeça, quando estou 2/3 horas seguidas concentrado no 5. De manhã acordo com dores de cabeça quando, antes de adormecer bato o 4.
Em Maio vou consultar o prof. Lobo Antunes. De início não me leva a sério. Depois acho que percebeu mas não adiantou nada às minhas questões. No fim de Maio digo o 4 e 5 em Coimbra. Fantástico! São os melhores cantos. A estória funciona.

No dia 10 de Junho digo os cinco no Meridional, em família. Começo pessimamente, nervoso, com dores de cabeça. O primeiro e o segundo foram mal. O 3 e 4 foram dentro do que eu imaginava. O 5 estava ainda muito mal preparado e eu já não podia com uma gata pelo rabo. Clarissimamente: tenho que estar em excelente forma física. A reacção das pessoas deu-me um grande alento para continuar.
12 de Junho ainda digo o 4 e 5 na Centésima. Nada de especial. Não devia ter ido para o jardim e continuo cansado.

Pelo dia 20 de Junho começo com o 6.
Em meados de Agosto reúne a equipa toda, num jantar em minha casa, para preparar a apresentação em Novembro
No fim de Agosto o 6 está desbastado e começo com uma nova tática com o 7.
Interrompo tudo em Setembro. Estou muito cansado. Dedico-me só aos cinco primeiros. Vou ao médico que me dá uns reforços vitamínicos. Recomeço com a natação 3 vezes por semana.
Em Outubro continuo a bater, a bater os cinco. Organizo a Antologia com o Zé Francisco…Obrigado!... sempre que não faço natação faço 1h/1h30 de passeio acelarado pela mata do estádio com uma gravação de dois cantos.
Agora em Novembro tudo igual mais o Blog, o facebook, o trabalho com o Fernando, a Marta, o Zé, a Rosa.

16/05/11
Retomo o diário em tempo real

A 29 vou dizer o 6 e 7 no Teatrão. Querem qq coisa para a divulgação. Vai isto:
A Armada deixa Melinde e chega à Índia depois de Vénus anular as decisões do Consílio dos Deuses marítimos e amainar a tempestade que interrompe as aventuras dos Magriços, tal como em 1966 o jogo com a Inglaterra em Wembley, nem de propósito!
Não é meigo Camões para os que se deixam enredar nas fofuras consumistas e não só (estrofes 95/99- Canto 6).
Ìndia! Grande sonho! Para tanta gente ainda hoje! Encontram Monçaide, pobre diabo ou espião? Grande amigo em qualquer caso. A política Europeia, de bradar aos céus, já no século XVI, o Catual, o Samorim e o desconcerto que o dinheiro deixa já adivinhar.
Camões está muito cansado! Não sei se vai conseguir acabar o Poema. Eu também não sei se consigo acabar isto no próximo ano. Estou muito chocado com o senhor do FMI.

23/06/11

Fui a Guimarães falar com o Marcos. Está tudo certo, apesar das confusões, jogos de bastidores e intrigas que vêm a público. Insisto que quero fazer no Vila Flor, no dia 9 que é um sábado.
Apresento-lhe a ideia das famílias e dos vizinhos que acabei de ter ontem. Está verde ainda mas está dita e é para trabalhar.

30.06.11

Fecho um ano muito, muito trabalhoso desde Setembro: a estreia e espetáculos  do Homem Elefante; os cinco cantos e antologia no Meridional, as aulas na Escola de Dança e na Esec, a Cacatua Verde, a reposição do Ivanov, os ensaios e estreia do Jogador, a reposição da História do Soldado, algumas apresentações da antologia, alguns dias a filmar e os cantos 6 e 7, como sempre no Teatrão, no final de Maio.
Passei Junho a ler ensaios sobre os Lusíadas, (Saraiva, Graça Moura e outros menores), a descansar, a filmar alguns dias, a recarregar, a ouvir falar da crise e a inquietar-me como o meu avô quando no Verão o vento soprava de Leste e lhe secava os pés do milho, pior que o texugo, o vento leste.
Vou ter de repensar tudo.

02.07.11
Acabei de filmar a Florbela com o Vicente  do Ó. São duas da manhã, estou no Hotel em Vila Viçosa, não consigo dormir e arranco com o canto 8. Até às cinco. Desliza bem.

14.07.11

Fui passar uns dias à Carrapateira. Continuei bastante forte mas relaxado. Na praia rendia-me imenso. Desbravei 40 estrofes, aquele trabalho mais violento. Nunca consegui tanto em tão pouco tempo…

16.07.11
A Sofia começou hoje com o Documentário mais a sério. Está cheia de ideias. É  estranho ter de pôr o microfone… pensar alto acho muita graça. Isto vai continuar. Mais uma coisa a interferir. Não sei se é bom ou não. Parece que isto já não é meu.
Continuo com a natação e intensifiquei a marcha e abdominais: 4/5 vezes por semana, 60/90m.

20.07.11
Ao falar com o Ângelo Torres descobri o nome para isto: Falatura por oposição a Literatura ou Escritura?. Tenho que pensar melhor, mas tem qualquer coisa que me agrada. Também gosto de Falação mas parece muito violento. Talvez não!...
Estive com a Sandra Soares de Guimarães. Penso que posso contar com ela para as escolas e os vizinhos e famílias.

30.07.11

Hoje saiu uma entrevista no Público com o Marcos a dizer que este trabalho vai integrar a programação da Capital da Cultura. Algum descanso por esse lado. Não é ainda o contrato mas…

06.08.11
Acabei em Cantanhede o Canto 8. Já consigo dizê-lo em cinco horas. Agora é trabalhar para reduzir para 37/40m. Talvez comece com o 9 e vá fazendo este trabalho com o 8 que é muito menos cansativo. De qualquer maneira estou muito mais rápido. Quando  comecei demorava o dobro do tempo a fazer o mesmo trabalho: em 2008, praticamente na mesma data tinha 80 estrofes do 1 e tinha começado no início de Junho. Em 2009, estava na Batalha do Salado (3). Em 2010, tinha 70 estrofes do sexto e tinha começado a 20 de Junho. As horas de trabalho eram praticamente as mesmas, entre 3/5 mas só este ano estive completamente livre. Para além do treino, dos ritmos interiorizados, palavras que já são todas familiares…. O facto de não ligar a outra coisa quando desligo disto, deve ajudar à maturação e à velocidade.

09.08.2011

Hoje fui, pela quarta vez em dois meses, às Finanças esclarecer as minhas duas últimas declarações de IRS. As mesmas nos dois anos, em quatro vezes. Uma de cada vez de cada ano. Fico sempre insuportável quando isto me acontece. Nervoso. Acontecia-me o mesmo quando adolescente e jovem tinha de tratar de qualquer papelada, matrícula, BI, Isenção de Propinas… Ficava-se horas na bicha e depois faltava sempre o reconhecimento de uma assinatura, a data de nascimento da avó…. Sei lá!... Agora  tenho sempre medo que me aconteça o mesmo, por isso, de véspera, organizo todos os papéis que acho que eles podem pedir. Mas está tudo no computador. .Correu tudo bem…ou melhor mal porque vou ter de pagar não sei quanto porque agora as deduções já não são as mesmas!... Arrumado!
Continuo a dizer o 8 em 4 horas. Já reduzi um bocado…O Camões fala das pinturas, aqui e também no 7 como se fosse a pintura do Bosch, o mesmo quadro tem várias cenas, ou como um tríptico. Quantas bandeiras há? E quantas cenas estão representadas em cada bandeira? Vou ver isso e aproveitar para cada folha ter escrita uma bandeira e/ou cena que deito fora no fim de a dizer, como se teatralizasse minimalmente a visita guiada do Catual. Ver o mesmo no 7. Ver outras possibilidades desta minimilização cénica. Cada vez mais estou convencido da necessidade de tornar muito mais gráficas as velas/mapas e o fato e a luz também tem que se mudar se o cenário mudar. Não necessariamente o conceito narrativo com que trabalhámos o ano passado. Penso que a música está certa.
Mas isto da conceção pictórica dos Lusíadas era interessante investigar. Se calhar já está e eu é que não conheço. Gostava de ir à procura mas… não dá!...

10.08.2011

Estou a trabalhar o 8 em gravação e começo com o 9.E cá me acontecem as minhas dúvidas relativamente a muitas propostas de interpretação dos comentadores, muitas vezes decorrentes da própria gramática. Pressinto que há frequentemente uma escrita que ilustra o fluxo de pensamento e não decorre do uso de regras gramaticais da escrita. Por exemplo não consigo entender as estrofes 68 e 69 do canto 8 (os dois primeiros versos), sem imaginar o fluxo da argumentação oral, o que nos acontece quando estamos à procura do argumento. O mesmo quando os verbos estão subentendidos, como na 83 do 8 ou agora na 16 do 9. Mas não quero tomar ainda decisões definitivas porque talvez daqui a uns meses descubra que afinal não estava a interpretar bem a gramática como hoje me aconteceu com a 55 do 8.
É tão agradável não pensar em mais nada. Ou melhor, não pensar em nada. Estar de férias. Estou a ler o Mark Rothko, oferta do João Lourenço, que me vai desarmando nas minhas preocupações éticas na relação artista/sociedade e criando outros prismas de abordagem mais diluídos, fluidos, relativistas. Por muito que precisemos da verdade ela escapa-se-nos numa abordagem frontal, exige uma abordagem simultânea em 360 graus o que para as possibilidades da nossa visão periférica é pedir demais.
12.08.2011

Hoje assaltou-me claramente uma dúvida que há já muito pressentia mas que facilmente até hoje consegui vencer com a certeza clara que me guiava:
Todo o meu esforço tem sido o de tornar muito concreto e muito coloquial este texto, partindo da ideia de que, sendo muito elaborado, artificial e artificioso, seria pleonástico envolver-me em rebuscamentos estilísticos ou formais que, ainda por cima não sei muito bem quais sejam, uma vez que, sempre que oiço algo com essa pretensão me soa sempre a algo estéril, mecânico, monótono, repetitivo, sem vida. Mas isto é um texto épico. E é suposto o épico ter um tom. Outra vez o acentuar o lado do artifício… Não, não!... Agora que comecei a escrever isto vai dar ao mesmo sítio: quando estou a fazer teatro não preciso de dizer às pessoas que estou a fazer teatro… quando estou a dizer um poema não tenho que dizer-lhes que aquilo é um poema… elas sabem e querem ser enganadas: prova-me que não vim ao teatro mas a um banho especial de vida, que isso não é um poema, mas uma formulação verbal do que tu sentes e sabes dizer e eu também sinto mas não sei dizer!... Tudo o que afastar desta essência na relação com o ouvinte , não é bom mas tudo o que, mesmo que ainda mais artificiosamente contribua para a concretização desta relação é de pensar.
Portanto por hoje chega. Mas tenho de voltar aqui. O que não posso é banalizar, ter em conta esta relação especial concreta e fugir de toda a banalização. Há qq coisa de sagrado mas o sagrado não se manifesta impondo barreiras, as barreiras decorrem da sua manifestação. Fazem-se a si próprias. Se acontecerem é porque a coisa se está a dar.
Tenho que voltar a isto. Agora tenho que me ir embora para Cantanhede!....

16.08.2011
Consegui dizer o 8 em menos de duas horas. Vou massacrar as partes mais difíceis, aquelas onde quero voar mais, nomeadamente o fim e toda a parte da galeria d’arte e   deixar o resto a marinar. Trabalhar com a gravação 4 ou 5 vezes por semana, dizer tudo 1 ou 2 vezes, arrancar com o 9 com mais força e tenho de começar a rever sobretudo o 6 e 7 que estão mais verdes em tempo mas também o 4 e o 5, que têm menos tempo de maturação.
Hoje peguei no 2, só para ver, já não o fazia desde Dezembro e rola muito bem. Então as partes que integram a Antologia que disse ainda em Maio…. Surfam.
A entrevista que O Silva Melo deu no Público de 14 ou15  levou-me a pensar outra vez no que escrevi na Sexta, sobretudo aquela mania de fazer espetáculos sobre fazer espetáculos… Mas não vou agora acrescentar nada porque já é muito tarde e amanhã vou começar com a meditação nos Tibetanos. Pelo menos vou espreitar.

17.08.2011

Telefonei ao Pedro Agente para ver se pensamos numa estratégia de mediatização. Estou com uma enorme confiança de fazer isto bem escorreito dentro dos princípios com que estou a trabalhar e seria um desperdício se pelo facto de me faltar nome e mediatização ou um mau trabalho de comunicação, isso prejudicasse o impacto cívico e  cultural que esta apresentação dos Lusíadas pode ter. Seria um enorme desperdício de trabalho e deixar passar uma excelente oportunidade Não sei como… pode, eventualmente passar por uma certa fulanização do acontecimento o que me obrigaria a uma certa ousadia na minha exposição pública. Uma estratégia a delinear com alguém profissional e competente… A ver, a pensar, a discutir…

Já há muito que me fascina, sobretudo nas partes argumentativas a nitidez, argúcia, a precisão e concisão do pensamento e argumentos e, quase sempre a coincidência rítmica dos enunciados. Fiz um pequeno exercício estatístico e, generalizando, obviamente, com um número reduzido de versos( cerca de 200), numa parte de  natureza predominantemente narrativa concluí que 50% das rimas, e portanto acentos na décima sílaba, recaiem em formas verbais, 35% em substantivos e apenas 15% em adjetivos ou advérbios. Sendo o verbo o motor da acção e do pensamento reforça o que sempre procuro nos textos: o pensamento. A comunicação faz-se através do pensar e do agir, as emoções são a posteriori, são as cores do pensar e do agir que não são neutros, têm objectivos, visam fins, e nos Lusíadas as palavras são sempre acção, carne, vida, pensar, fluir, muitos verbos, muitos verbos, como a vida, a biológica, apetecia-me agora pegar outra vez nas coisas do Damásio e daquele “Pôr o corpo a pensar” da professora do ISPA, acho,  e fazer um curso de análise de texto ativa à procura dos verbos e dos bips como faz o António Mercado com os textos de Teatro e pensar que as análises que normalmente vejo fazer no teatro são análises psicológicas como se a vida fosse aquilo que se diz. Pensa-se com sentimento, não se sente com pensamento. No estudo o pensar está sempre antes. Até a definição da partitura emocional, digamos, para posterior execução é pensamento. E as circunstâncias? Os Lusíadas tornam-se um texto bem claro e fácil se tivermos em conta cada circunstância do que se conta e se soubermos gramática, claro. Às vezes há interpretações absolutamente idiotas porque não se está a ver, concretamente o sítio onde o Camões nos leva ou nos põe ou nos propõe.
Os tibetanos não tinham quórum só começo prá semana…


18.08.2011

Fui rever a primeira parte do diário. Estive mais de dois anos sem escrever nada!... Há muitas coisas da memória que gostava de recuperar… É isso que hoje vou tentar fazer. Agora tenho muito tempo e disponibilidade… o computador é que não ajuda nada que o cursor está sempre a saltar!... Com paciência talvez lá vá!...
Em Março de 2009 fui dizer o Canto 1 à escola Pedro Teixeira em Cantanhede para os alunos do 9ºano. Aí descobri que os comentários e enquadramentos, históricos podem ser muito importantes o que virei a desenvolver  no trabalho final da Antologia na versão Meridional 2010.
Durante os espectáculos da Tempestade na Cornucópia avancei imenso com o 3, 40 estrofes no fim de Abril. A notícia expandiu-se no elenco, com geral simpatia e incredulidade também. É interessante notar que entre os meus colegas, a incredulidade é da mesma natureza que entre pessoas que não estão habituadas ao trabalho teatral: como é possível decorar tanta coisa!....
Fui para Cuba em lua de mel no início de Maio com o 5 mas…não adiantei nada.
Começo a gravar a novela na Sp e nos intervalos continuo o 3 e a preparar a apresentação do 2 no Teatrão que aconteceu no início de Junho. A 9 e10  digo o 1 e o 2 na Centésima Página, em Braga. Excelente reacção. Mas muito peco ainda, visto daqui. No final de Junho o mesmo no Porto, debaixo da ponte, muito pouca gente, mas agradável
Nos intervalos da Novela, na Sp bato, bato, bato estrofes com reacções muito entusiasmantes de quase toda a gente, com destaque especial para o Artur Agostinho que sempre que se cruzava comigo me perguntava quantas estrofes tinha avançado.
No dia 5 de Agosto, a Rosa faz anos, fomos para a lagoa de Albufeira, comemos amêijoas num bar muito simpático, fomos tomar banho na abertura da lagoa, e andava às voltas com as estrofes da Batalha do Salado, quando me deitava a secar, muito próximo de começar com a Inês de Castro.
Estava a fazer a novela, a ensaiar o Ego com o JPVaz no Nacional e avançava com o 3 que viria a dizer em finais de Outubro no Teatrão. Uns dias antes, nos copos, em conversa com Mick Gordon, autor e o primeiro encenador do Ego, falei-lhe disto e ele, que conhece os Lusíadas, aconselhou-me a propor isso ao Nacional. Expliquei-lhe porque não. E bebemos mais uma cerveja.
No fim de Outubro apresentei o 3 no Teatrão, sempre com o mesmo carinho daquela gente. Estava exausto, por aqueles dias sentia-me muito cansado e desconfortável. Tinha recomeçado com as aulas, as gravações continuavam e eu estava a dar o berro.
No dia 31 fui fazer um exterior da novela a Cascais e senti-me mal. Acabei, voltei para casa e não me sentia bem. Por volta da meia noite peguei no 4 e fui para a Urgência do S. Francisco Xavier. Fui atendido por volta das 4 da manhã e aproveitei para começar com o 4. Tinha a tensão a 16/12, estava com um ataque de ansiedade. Uma injecção, uma caixa de Unisedil que me tem acompanhado até hoje. Sempre que estou mais tenso, vai um Unisedil. A embalagem que comprei nessa altura está agora no fim. Restam dois. Durou quase dois anos. Tenho de comprar mais. O dr Atouguia diz-me que não tem problema nenhum.
No fim de Novembro digo o 3 na Centésima Página. Acho que estava muito cansado. Não foi nada excitante, mas a reacção das pessoas foi muito simpática.
A 12 de Dezembro paro com tudo porque tenho de decorar a História do Soldado para fazer no fim de Fevereiro com a Metropolitana. Em Janeiro começo a ensaiar o Ivanov e
estou a ensaiar (A)tentados com os meus alunos. Acabou a novela mas tenho uns dias na Cidade Despida. Estou no início da ida para Ceuta.
Vamos na Passagem de Ano para o Monte Mariposa fazer um retiro de Ioga e Meditação. Foi muito bom. No último dia disse o episódio da Inês de Castro. Foi emocionante, comovente…. Das melhores passagens de Ano da minha vida, sem álcool, á uma na cama… Mas andei às voltas com a História do  Soldado.
No início de Fevereiro, o Soldado está resolvido, o Ivanov não vai dar muito trabalho,  vou à  Escola da Amélia fazer uma sessão improvisada com partes dos 3 primeiros para alunos do secundário e professores…. Boa experiência!
Retomo o 4. Estreia do Soldado a 26, continuo…. Estreia do Ivanov em Março, fim fantástico do Ivanov (parabéns Tonán!) a 27 de Março e dou por finda a primeira fase do 4.
Até Junho tenho de acabar o 5. Não tenho mais nada pra fazer e combinei com o Meridional fazer uma apresentação familiar no dia 10 de Junho no Meridional. Estou muito cansado. Vou pra Quiaios uns dias por volta de 20 de Abril e no carro a Rosa ponta-me os fenómenos marítimos. No fim do mês dou um pulo a Monção, à aldeia dos Milagres onde numa sessão de estórias  disse, entre outras coisas o episódio da Inês de Castro…. Foi maravilhoso ver aquela gente tão disponível e tão simples a correr embevecidamente atrás das palavras do Camões….( Obrigado JP Vaz!).

Às vezes sinto que o couro cabeludo é de cortiça e não respira. Começo a ficar preocupado e em Maio marco uma consulta com o prof. Lobo Antunes. Inicialmente pensa que estou maluco, quando lhe digo que estou a fazer isto ele pergunta-me se estou a ter consultas no psiquiatra ou no psicólogo…. Se ando a tomar alguma coisa… se  tenho antecedentes familiares…. Foi mesmo só o primeiro impacto. Rapidamente começámos a falar normal. Não fiquei nada elucidado sobre as dúvidas ou os esclarecimentos que queria. Se calhar não há. Disse-me para ir aparecendo que não precisava de pagar consulta (foram 90e).
A 31 de Maio digo o 4 e o 5 no Teatrão. Muito verde o 5, a reacção foi muito boa. Nessa altura ainda pensava que o Camões tinha perdido o fôlego no fim do 6 e que o 4 e o 5 eram os melhores. Agora que já estou a trabalhar o 9 não estou certo disto.
A 10 de Junho fiz a tal sessão familiar no Meridional para alguns amigos. Estava muito inseguro e nervoso. Os dois primeiros foram maus. Acalmei no terceiro e o quarto  foram bastante bem, dentro do que seria de esperar. O quinto está muito verde As reacções foram muito simpáticas. Cheguei ao fim podre mas mais calmo do que tinha começado.
A 11 fui fazer o Ivanov a Guimarães e propus o projecto para a capital 2012 ao Marcos. A ideia foi muito bem acolhida, embrulhada num contexto mais envolvente.
A partir daqui e até final de Novembro de 2010 já fiz a resenha em Novembro do ano passado. Volto ao presente e deixo para outra oportunidade escrever a memória do que falta: de Dezembro 2010 a Maio 2011.

Hoje falei com o Eduardo Jorge que prometeu, para a semana, dar-me contactos de famílias de Guimarães. Em Novembro tenho que ir passar um fim de semana lá e encontrar-me com o Pedro Gil para trabalharmos naquela minimalização cénica que referia há dias. Mas isso só depois de dominara bem o texto.



29.08.2011

Ora cá está, a situação a sobrepor-se ao pensamento lógico como já aconteceu várias vezes, as últimas mais nítidas no canto 8. Vénus está a tentar dizer ao filho o que quer fazer mas como se ainda não tivesse as coisas muito bem estruturadas ou porque está ansiosa por tê-lo nos braços… ou porque quer dizer tudo ao mesmo tempo… (estrofes 40 e primeiros 4 versos da 41)… começa com uma oração principal e a integrante que se lhe segue e que lhe serviria de complemento direto, não acaba, não tem verbo, o pensamento foge duma ideia para outra, sempre dentro do mesmo tema, mas sem se finalizar… até que põe ordem naquilo tudo  resumindo nos 4 últimos versos o que claramente queria dizer
Não se consegue dizer isto sem nos colocarmos neste sítio, nesta cabeça quente… ou estarei enganado? Como em muitos outros textos quando têm de se dizer,  a pontuação só atrapalha. Obrigado, Saramago!...

04.09.2011

Já passou a metade do 9. No fim do mês espero ter terminado o que me propunha até final do ano o que significa que posso antecipar o trabalho para o surfar sobretudo a partir do 6 uma vez que os outros já fiz algum adianto no Meridional.
Tenho pensado muito em Guimarães e falado com várias pessoas. Vou trabalhar só no conceito de família e tentar que sejam 10 de 10 freguesias do concelho. Ouvir o 10 cheio de sotaque minhoto deve ser delicioso.
É interessante que nesta fase em que estou do 9 quando começo a entrar no pensamento e na narrativa sinto imensos automatismos: da sintaxe, vocabulário, alteração da ordem das palavras ( e aqui é tão nítido que a alteração é por questões rítmicas e musicais, deixando para segundo plano o sentido, por ex. estrofe 57 As árvores agrestes que os outeiros/Têm com frondente coma enobrecidos, é preciso algum tempo para perceber o que isto quer dizer, na ordem direta, completamente impossível a um ritmo de audição, mas o que interessa a quem ouve só pode ser a toada e o sentido global e quando digo, digo do sítio que estabeleci no tempo que demorei a entender e portanto do sítio mastigadamente claro e portanto onde tudo é fácil e claro, mesmo que, quem oiça tenha de recorrer a outras formas de entendimento que não a estritamente gramatical no sentido lato), o mais difícil de encaixar ainda são as mudanças dos tempos verbais ( começa no presente a vai para o passado ou vice versa). Quando isso começa a mecanizar é sinal que já sou eu que estou a contar….
Esta semana vou recomeçar o trabalho com a Sofia…. Tenho algumas propostas a fazer-lhe….

06.09.2011

O 9 rola lindamente. Quando acabar vou procurar mecanizar o 7,8 e 9 porque estou convencido que quando disser tudo, nesta altura já estarei bastante cansado e se os tiver perfeitamente dominados precisarei de muito menos energia e concentração para os dizer de forma escorreita. È quase como nos cinco primeiros: quando digo as partes que integram a antologia, como estão muito mais batidas e dominadas, aproveito para descansar. È como num jogo de futebol quando a bola vai fora e os jogadores podem baixar ligeiramente a implicação física. Ou numa peça, quando não sou protagonista da cena posso baixar ligeiramente a guarda. Volto a achar que o Mourinho tem razão.
Já agora: e perceber a passagem da estrofe 59(segunda parte) para a 60 (primeira parte)? Um dia destes faz-se-me luz nem que seja quando estiver deitado num tapete persa…

12.09.2011

Ora cá está o Leonardo!... Sete estrofes primorosas. Não pode ser aquela interpretação que toda a gente dá dos versos 3 e 4 da estrofe 75:A quem Amor não dera um só desgosto/Mas sempre fora dele maltratado. Não pode ser “ não deu um desgosto só mas muitos….”  Se fosse essa a ideia como se entende o Mas?.
No canto 6 Leonardo é um idealista, um sofredor de amor e aqui continua. È um sofredor de amor fingido, é tática de sedução e os que seduzem sofrendo nunca são mal sucedidos…. Para eles o Amor ( e no texto está em maiúscula) é um ideal, um Deus, nunca dececiona. Embora na casuística, nos casos concretos tenha sido mal afortunado, isso não é culpa do Amor, é do fado, como conclui a estrofe. Ele tem esperança que o fado mude, não o Amor, porque o Amor é perfeito, os casos concretos é que não são. Aqui é um bocado diferente do Camões que se queixa frequentemente do Amor. Acho que ele gostaria de ser como Leonardo: viver enlevado na ideia do Amor e só se queixar do que depende dele: os casos concretos e aqui a queixa não é queixa é artifício de sedução, mas isto já não é o Leonardo que diz ou sente ou tem consciência, mas quem está a julgá-lo. Se não é mais esta a interpretação não se entende o Mas, não é por questões de métrica porque não seria nada difícil formular a frase se fosse isso que o Camões queria dizer. Uma interpretação mais simples, em glosa: A minha Amada não me deu um só desgosto (acho eu e acham os outros que eu acho) no entanto sempre me tratou mal (acham só os outros e eu posso achar em jogo com ela). A estrofe 82 acho que prova completamente esta interpretação: a má-fortuna é um canto de Amor, vemos isso frequentemente nas grandes canções de amor que não celebram a má-fortuna mas a sublimidade do Amor. Nesse sentido o Amor, se quisermos a ideia em si, no sentido platónico, é imune à consciência da má-fortuna.
Outra interpretação ou melhor uma pequena variação sobre a mesma: Leonardo sempre foi bem sucedido nos amores Mas  os processos eram sempre dolorosos, o que se depreende da estória com a Ninfa e do que é sugerido no canto 6. Isto entronca bem com o pensamento que Camões exprime durante toda a obra, mesmo que na realidade não seja assim mas devia ser: todo o trabalho é custoso mas merece prémio. Leonardo teve sempre prémio A quem Amor não dera um só desgosto, Mas teve sempre muito trabalho, Mas sempre fora dele maltratado.
O comentário do Pimpão resolveu-me a passagem da estrofe 59 para a 60. Realmente os comentários do Hermano Saraiva são tantas vezes tão arbitrários, tão preconceituosos e tão ao lado que até faz impressão!....

A Sofia ainda não apareceu mas há boas notícias de Guimarães: em breve vou falar com o departamento da ligação à Comunidade e já tenho duas famílias interessadas!.... Obra da Manuela Martinez!... Obrigado, Manuela!

14.09.2011

Acho que tive uma ideia muito boa para a antologia, a partir da descoberta do Leonardo: começar com o prémio, a Ilha dos Amores, que em termos do que os ouvintes conhecem e das suas expectativas, é aliciante porque é o prémio e quando os mais incautos pensam nos Lusíadas vão ver o que se passa de tão especial no 9. Eu próprio quando adolescente e os meus amigos íamos procurar a pornografia, suposta, do 9. Mas, continuo, para ter prémio é preciso merecê-lo e então vem tudo o resto: as intrigas do Baco, as tempestades, as guerras, a doença, as pausas do trabalho, as despedidas, o Adamastor….
Não contar a estória mas a vida e a atitude que está sempre tão presente nos comentários do Camões e os Lusíadas tornam-se assim numa lição para a vida, numa grande ideia de aprendizagem concreta do viver, hoje mais do que nunca, importante para seguir e pensar. A continuar este pensamento.

17.09.2011

Já parti a pedra toda e cavei os alicerces e ergui as paredes. Vou começar a rebocar, pintar, e fazer os acabamentos. Espero ainda ter tempo e coragem para decorar a casa. Agora é tudo mais fácil porque ver um quarto pintado dá mais pica que conseguir extrair do penedo um bloco de pedra, porque o objetivo também está ali mais materializado no plano que sonhámos.
Mais um mês e poderia dizer o 8 e o 9 no Teatrão melhor do que disse qq um dos outros!... faltam-me as estrofes finais do 10 que vou partilhar com as pessoas de Guimarães.

28.09.2011

Tá tudo falado com o Teatro Meridional: as linhas de trabalho para Guimarães, ideias para a digressão, os princípios gerais da produção, as alterações ao cenário e à Antologia… Agora é ir gerindo o dia a dia, tornar exequível e concretas as linhas gerais e…. trabalhar, trabalhar, trabalhar o texto.
Amanhã é a reunião do Documentário… deixo isso mais para a produtora!... Ainda tenho 15 dias antes de começar no Teatro Aberto.

29.09.2011

.A doutora Rita Tomás de Medicina Física e Reabilitação deu-me umas dicas para um plano de exercício físico diário. Tenho que tirar duas horas por dia para isto. Exige muita disciplina mas é soft e exequível e ela diz que lhe parece suficiente, mais umas dicas de alimentação. Vou tentar começar no sábado com o Ioga. Sinto que tenho que começar com uma disciplina implacável em vários domínios. Para a semana vou começar, in loco, o trabalho em Guimarães.
 

07.10.2011

Acertados em Guimarães alguns pormenores do trabalho a realizar lá a partir de meados de Março. Acho que é uma ideia muito boa ficar em casa da minha irmã nas Caldas da Saúde. Parece-me que ficou muito contente com a proposta e é muito mais agradável do que ficar numa casa sem aconchego nenhum em Guimarães. A distância não é grande e é tudo mais confortável também para a Rosa e o bebé. Vai ser bom voltar a um aconchego familiar antigo. A partir do dia 13 começo a ensaiar o Red e vou parar até à estreia com os Lusíadas. Só voltarei esporadicamente se tiver algo pontual. Tenho ainda uma semana para me familiarizar com o 8 e 9. É isso que vou fazer até 13.
 
22.08.2012
Estou a preparar a minha candidatura para obter o título de especialista. Vou fazê-la sobre Os Lusíadas, claro. Preciso de recuperar quase um ano de trabalho para o diário. Em diferido. A pensar que o objectivo é outro. Verdadeiramente em Outubro do ano passado comecei uma nova fase: precisava de ganhar Guimarães. Os nove estavam ganhos, sabia perfeitamente como trabalhar o 10. Só tinha que preparar o dia 9 de Junho.
O Inverno foi horrível como quase sempre acontece: muito trabalho, a violência do Vermelho com 11 cigarros por noite e hora e meia em cena, mais o ritmo e as chatices da novela que acelerou no fim de Novembro…Em janeiro tinha um pólipo numa corda vocal e ainda dois meses de Vermelho. Mal acabe o espectáculo tenho de ser operado…em silêncio pelo menos um mês…a não ser que haja um milagre e a cortizona cumpra a sua missão. Pânico total. Com altos e baixos consigo fazer o espectáculo até 27 de Março o 8 e 9 no Teatrão a 14 de Fevereiro, com problemas de voz mas a fluir bem, recuperar o 6 e 7 e as cordas vocais recuperadas depois de uma semana de descanso sonoro. Uf!...

Fim de Março parto para Guimarães com uma estratégia:
1.Arranjar dez famílias para participar no 10. Já falei com 5. Até 20 de Abril tenho que conseguir fazer o primeiro ensaio na casa delas. Até 15 de Maio o segundo. No último sábado de maio o primeiro ensaio geral e no dia 2 de Junho o segundo. O primeiro ensaio é para explicar o projecto, falar do canto 10, distribuir as 12/18 estrofes pelos membros da família, deixar algumas indicações para o trabalho que terão de fazer sem mim, descobrir lideranças, entusiasmar… o segundo ensaio é para trabalhar interpretação, ritmos, ligações, escuta, colectivo, prazer de dizer… o primeiro geral é para articular o colectivo. O último para entrosamento da interpretação com as questões técnicas.
2. Recuperar os cinco primeiros cantos, rodar o 6,7,8 e 9, trabalhar as estrofes do 10 que me competem, estar atento ao refazer do cenário, fazer com que os responsáveis da capital da cultura trabalhem com os conceitos com que tenho trabalhado… acho que eles ainda não perceberam, sobretudo a imagem que é preciso fazer passar, não têm mesmo noção nenhuma. Têm um estereótipo na cabeça da poesia e da declamação…. e…
3.Recuperar a voz. Preparar-me fisicamente para o dia 9. Não descurar isso nunca: a natação, a marcha, o ginásio, pilates ou ioga, o que encontrar, ter cuidado com a alimentação, treinar períodos superiores a 3 horas ininterruptos a dizer, monitorizar o cansaço… Muscular a capacidade de concentração.
4. Divulgar a ideia: fazer antologias e conversas onde for possível, há escolas interessadas, associações culturais e recreativas. Aproveitar isso para trabalhar o conceito da falação e criar expectativa para o dia 9. Delinear uma estratégia para divulgação nos media a partir de meados de Maio.
Instalei-me. Foi isto que fiz. Mais de 20 antologias que me deram a medida e a natureza dos comentários e da relação com o público e um avanço considerável na abordagem dos Lusíadas em função das referências e imaginário dos destinatários, afastando-me cada vez mais da erudição de que falava o António José Saraiva; os ensaios com as famílias que permitiram uma apropriação, individual e única de cada elemento com a proposta, as palavras do Camões e o sentido de pertença a um acontecimento artístico e cultural histórico como é a Guimarães 2012; a inclusão deste trabalho num ideário mais vasto do que é a minha função de ator, que tento concretizar neste projecto, mas sobre isso não vou repetir o que já disse noutros sítios nomeadamente nas entrevistas que antecederam a apresentação no dia 9 nomeadamente ao jornal Público, RTP e Á rádio de Macau.